Dos dez discos que mais venderam em 2009, quatro são sertanejos. Três, de Victor & Leo. Victor foi o compositor que mais faturou com direitos autorais no ano. Victor & Leo fizeram quase duzentos shows no ano. A música nacional mais tocada foi Chora, Me Liga, de João Bosco & Vinícius.
Os maiores sucessos do ano foram do sertanejo universitário, com nomes como César Menotti & Fabiano, Jorge & Matheus e Bruno & Marrone. Está na Ilustrada de ontem, que também aproveitou para apresentar aos seus leitores Luan Santana.
Precisa apresentar Luan Santana? Precisa. Porque o Brasil é engraçado. Melhor dizendo: esses dois Brasis são engraçados. Tem essa turmona que sabe cantar Borboletas, assiste a Eliana e compra produtos anunciados pela Grazi.
E tem essa microturma que sabe de cor a obra completa do Nick Hornby, coleciona All-Star vintage (no fim de semana) e baixa o novo episódio do Glee no mesmo dia.
A primeira turma não sabe que a segunda existe. A segunda turma preferia que a primeira não existisse. Ou faz de conta que não existe e pronto. Não é questão de classe social; está muito além disso.
Jornalista é classe média, ou média para alta, metido a besta profissional, e quando é jornalista cultural, mais ainda. Confie em mim: sou da turma e sei. Estudamos e moramos em cidades grandes, e se não somos nativos, viemos fugidos do interior.
São Paulo tem gente à beça com a cabeça em Londres, Nova York, Barcelona, sei lá. Jornalistas, marketeiros, culturetes. Como dizia meu amigo xamã Alex Antunes, “São Paulo não fica no Brasil, fica no mundo.”
Mas o mundo inclui o Brasilzão popularzão, o que a microturma frequentemente não vê. Jornalista escreve para outros jornalistas (amigos) e para o patrão.
Mas aconteceu em algum momento uma bifurcação? É geracional? É escolha pessoal? Minha cabeça também passa bastante tempo passeando pelo mundo, mas meus pés estão bem fincados em solo tupi.
Passei infância e juventude no universo do Chacrinha / Bolinha / Raul Gil / Barros de Alencar, e não porque era exótico, mas por que adorava de verdade. Sei cantar todas as músicas que foram exibidas no Chacrinha entre 1975 e, sei lá, 1988.
Fui naquele show “O Cassino do Chacrinha” uns anos atrás. Pedi autógrafo para Lilian, Eu Sou Rebelde. E durante esse mesmo período, li um monte de coisas esquisitas e fora do esquadro. E quanto mais gringas melhor.
Antologias anarquistas, policiais noir e literatura beat, modinhas literárias da época, mas também todos os recomendados pelos meus ídolos, e, putz, A Divina Comédia, o inferno com mais dedicação, claro.
Eu não via contradição entre adorar coisas extremamente populares e extremamente impopulares, e tenho um punhado de amigos iguais. Como dividir meu pensamento, que corre solto?
Uso igualmente meu cérebro (tá, tá, não é lá tudo aquilo) para lidar com Victor & Leo ou o queridinho das artes plásticas desta semana, um gibi ou Joseph Conrad. Mesmo que uma música ou livro ou filme ou produto ou político não me fale ao coração, faço algum esforço de entender.
Não aprovo nada por ser brasileiro ou gringo, nem por ser famoso ou desconhecido, abençoado ou rejeitado pela crítica.
É muito esquizofrênico como uma parte da imprensa (e portanto uma parte das pessoas) ignora e outra incensa o que é popular. Uma, a título de jornalismo de verdade versus jornalismo de celebridades. Outra, porque “é isso que o povo quer.”
Não sei pensar a não ser desse jeito bem aberto e bem fechado, bem rampeiro e bem arisco. Arte, política, ideologia, tecnologia, economia, da classe A à classe E e do inescapavelmente popular ao eternamente obscuro – é tudo cultura.
Fonte: Blog do André Forastieri
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